19 de mai. de 2011

A luneta âmbar - Philip Pullman





Título: A luneta âmbar
Autora: Philip Pullman
Editora Objetiva, 624 p.

O terceiro e último livro da trilogia Fronteiras do Universo.
Eu li A Bússola de Ouro e A Faca Sutil para o Desafio Literário 2011, e estava louca para saber como a história terminava. Quando li o primeiro, fiquei me perguntando por quê eles, quando adaptaram para o cinema, acabaram com a história, infantilizando o filme demais. Quando li o segundo, fiquei em dúvida se a Sra. Coulter ainda seria a vilã, retratada tão perfeitamente pela Nicole Kidman. Agora que li o último livro, vi que a saga toda, de infantil, não tem nada. E tentei imaginar como seria adaptar o último livro para as telas, principalmente no que diz respeito a Will e Lyra.
Se no segundo livro, a referência a Paraíso Perdido de John Milton fica um pouco evidente, n'A luneta âmbar, é uma referência clara e total. É até engraçado. Pullman soube colocar a influência do poema de uma forma sutil, mas também bastante clara, de um jeito que eu vi poucos autores fazerem com suas referências literárias. E o Pó... Terminei o primeiro livro sabendo o que era isso, terminei o segundo com a cabeça zonza e agora terminei o terceiro entendendo totalmente.

Para quem não sabe, o poema de Milton, Paraíso Perdido, fala da queda do principal anjo de Deus, Satã, e da corrupção de Adão e Eva e sua expulsão do Paraíso. Nos livros de Pullman, Deus é chamado de Autoridade, Lyra faz referência a Eva, Will, a Adão, e a Cobra tentadora na árvore é uma cientista (antes, freira) Mary Malone. Até então, não havia entendido o papel dela na história, mas quando a chamaram de "a mulher tentadora" e ela fala que, no mundo em que ela está, as serpentes são animais que não são incomodados (ela inclusive foi parar num mundo onde os habitantes não são cobras, mas são animais com as mesmas características), clareou a minha mente. Lorde Asriel e vários outros personagens, inclusive anjos (referência aos anjos decaídos que acompanham Satã na guerra contra Deus), começam a guerra. O livro não retrata a guerra início-meio-fim, mas o leitor sabe quando começou e terminou.

Sobre o Pó e os dimons: o Pó é composto por partículas, encontradas em todos os seres. Quando crianças, as pessoas não têm muito Pó "em torno de si" (é mais ou menos essa a expressão). À medida que elas crescem, o Pó vai se concentrando nelas. E os dimons vão ganhando uma forma única quando a criança se torna adulta. No livro, Pullman coloca que o Pó (e a forma imutável do dimon) é a evidência física de que algo acontece quando a pessoa deixa de ser criança (inocente) e se torna adulta (experiente). Existe uma conotação sexual, como no caso de Adão e Eva, puros antes de cair em tentação, mas mudados após comerem a maçã. Muita concentração do Pó na pessoa é sinônimo de que ela é adulta, que ela não é mais inocente e pura. E os dimons mudando quando crianças fazem referência a quando, antes de cometerem o Pecado, Ãdão, Eva e todos os seres eram criaturas puras e semelhantes. Quando cada dimon assume uma forma diferente do outro, as pessoas vêem as diferenças entre si e se envergonham, fazendo referência a diferença entre homem e mulher (a conotação sexual).

Como Will e Lyra fazem referência ao casal primordial, eu fiquei ansiosa esperando pra ver quando seria a tentação, quando Lyra cederia a ela e Will acompanharia. Aí o romance começa entre os dois. Mas não tem uma conotação sexual, por assim dizer. É o primeiro amor. Mas acontece de um jeito que quem lê percebe a clara referência a Eva oferecendo o fruto vermelho, Adão comendo e o Pecado (o sexo) acontecendo. Mas não tem sexo nos livros. É um romance. Mas como é um referência tão explícita nesse momento, já tendo lido os outros, você até fica esperando algo assim acontecer. Não consigo imaginar isso no cinema. É uma temática forte, principalmente para crianças.
No momento em que Will e Lyra tocam um no dimon do outro, Pantalaimon e Kirjava mantém a forma em que estavam nesse momento como uma lembrança do sentimento entre eles. Pois eles se separam para sempre (como ambos saíram de mundos diferentes, só viveriam bem no mundo em que nasceram, caso contrário, a vida não seria produtiva e satisfatória para aquele que abdicou do seu mundo para viver no do outro). Como em Nárnia, o final feliz não é aquele dos contos de fadas.
E Mary Malone, como uma ex-freira que virou cientista por parar de ver significado em Deus e se torna a tentadora (apesar de não ser tão claro assim, descobrimos que ela é a tentadora por um comentário e uma sensação de Lyra), faz uma referência ao anjo decaído Satã, antes um anjo muito poderoso perante Deus, mas que também pára de ver significado Nele e se revolta.

Sobre o título e a capa: enquanto nos dois primeiros livros, titulo e capa estão claramente se conectando com a história, no terceiro, somente a capa. Não muito o título. E não digo isso porquê só percebi a utilidade do título (Luneta âmbar) depois, bem depois. A luneta é o instrumento que Mary (a tentadora) utiliza para ver que o Pó (partícula ligada a maturidade, experiência, conhecimento) está indo embora. Ao acolher Lyra e Will no lugar onde animais como serpentes são deixados em paz, ela propicia (mais ou menos) o descanso que eles precisam e que necessitam para exporem seus sentimentos. E propricia que o Pó volte a habitar nos humanos. Mais uma referência a serpente que, ao fazer com que Eva e Adão comam do fruto, faz com que os dois Conheçam. Eu já havia lido que, quando o Primeiro Homem e a Primeira Mulher comem do fruto, eles abrem seus olhos para aquilo que Deus não queria que eles conhecessem, algo muito além do Pecado, algo sobre o Conhecimento, o fato de Conhecer. É como se a serpente os tivesse tirando do controle de Deus. Aliás, a guerra toda gira em torno de matar a Autoridade e recuperar o Paraíso perdido há muito. Para isso, muitos se unem a causa de Lorde Asriel. Ele e Marisa Coulter, os pais da nova Eva, se sacrificam para que Lyra (Eva) cumprisse o seu destino: recuperasse o Paraíso, libertasse o mundo da Morte.
Essa é a parte que ilustra a capa. Will e Lyra seguidos por um cortejo de mortos, buscando a saída do mundo dos mortos. Como o dimon de uma pessoa que morre se esvanece no ar e passa a pertencer ao ar, as flores, as estrelas e a tudo que vive, os mortos desejam se unir a seus dimons queridos se transformando também em partículas que habitassem cada ser vivente. Lyra e Will os libertam do mundo escuro e eles têm esse destino. Assim, a morte morre. Aqui, já acho que faz parte só da história de Pullman: a nova Eva recuperando o que ela havia perdido (o Paraíso). Os mortos já não estão mais mortos, eles fazem parte de cada ser vivente, de cada estrela, de cada coisa.

È uma história muito boa, que nos faz pensar bastante. Particularmente, só ouvi falar de Milton ao estudar Senhor dos Anéis. Como n’O Silmarillion, onde o Valar mais poderoso se revolta contra Iluvatar, Satã n'O Paraíso se revolta contra Deus. As referências são mais profundas, não dá para falar agora. Eu li o poema e apesar de não ser muito fã de poesia, adorei. Então fiquei muito feliz quando vi uma trilogia inteira dedicada a esse assunto, apesar de ser somente uma referência literária. Indico ambos para leitura.

Um comentário:

  1. Adorei sua explicação! Terminei ontem e o livro me deixou com muitas perguntas ainda. Por que Lyra é Eva, mas a tentação dele que eles abordam desde o primeiro livro parece uma coisa surreal que pode destruir o mundo, mas não, não destrói só conserta. E quando a igreja tenta matá-la parece que a Autoridade quer ver o pó morto. Eu esperei um final bem melhor, não sei se você também. Pelo fato de eles fazerem uma abordagem da profecia de Lyra que você pensa que ela pode destruir o mundo se tentar. rsrs Ainda estou confusa. Beijo

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